Os Anos 50 e a Pedra no Sapato: A Televisão

Imagem de capa representando a rivalidade entre Cinema e TV nos anos 50.
A batalha pela atenção: A Televisão se torna a primeira grande rival do cinema após o som.

O início dos anos 50 marcou a consolidação da televisão, que começou timidamente após o término da Segunda Guerra em 1945. Assim como o rádio, ela se estabeleceu como um novo veículo de entretenimento doméstico. A diferença era que a televisão oferecia a oportunidade de assistir a programas com áudio e vídeo, como filmes, esportes, shows e uma espécie de continuação dos serials semanais, agora na forma de séries de TV, tudo no conforto do lar e sem precisar pagar ingresso.

Da Telona à Telinha: O Impacto de I Love Lucy

O primeiro seriado lançado na TV americana foi I Love Lucy, estrelado pelo casal Lucille Ball e Desi Arnaz. O sucesso foi imediato e deu início a um novo negócio que perdura até hoje. Durante a década de 50, dezenas de seriados foram lançados. Lucille e Desi, inclusive, compraram o antigo estúdio da RKO Pictures e fundaram a Desilu, onde produziram seriados para a televisão, como Os Intocáveis e muitos outros. A Desilu também foi responsável por duas séries de enorme sucesso nos anos 60: Missão: Impossível e Jornada nas Estrelas.

Lucille Ball e Desi Arnaz em I Love Lucy
O sucesso de I Love Lucy marcou o início da era das séries de TV, ameaçando a bilheteria dos cinemas.

Bem, voltando ao início da década, a televisão estava roubando público dos cinemas, que começaram a sentir a falta de espectadores e também de lucros. Isso incomodou profundamente a indústria cinematográfica. Os magnatas começaram a pesquisar uma solução para trazer o público de volta.

O Contra-ataque de Hollywood: Cinemascope e Tela Larga

Então, o estúdio 20th Century Fox desenvolveu uma nova tecnologia para produção e projeção de filmes: o Cinemascope.

E Em termos práticos, para que todos entendam (inclusive os mais jovens): se antes os filmes eram exibidos no formato 4:3 (quase um quadrado), o Cinemascope oferecia projeção em 16:9 em tela cheia (o retângulo que estamos acostumados hoje). Era o que chamavam de "cinema de tela larga". A filmagem era feita com uma lente especial acoplada à câmera, e outra lente era necessária no projetor para a exibição do filme em tela larga.

Em 1952, a Fox apresentou o Cinemascope em São Paulo, no extinto Cine República, e foi um sucesso. Quando ocorreu a estreia oficial no Brasil, as lentes de projeção atrasaram e o filme foi exibido cortando todas as bordas, com os atores aparecendo diversas vezes apenas do nariz para baixo. E como o brasileiro é criativo, logo apelidou a sessão de Degoloscope!

Comparação entre formatos de tela 4:3 e Cinemascope 16:9.
O formato Cinemascope oferecia uma experiência visual impossível de replicar na TV da época.

A novidade tecnológica trouxe o público de volta aos cinemas. No entanto, a patente era da Fox, então os outros estúdios tiveram que correr atrás do prejuízo: a Warner desenvolveu o WarnerScope, a Paramount o VistaVision e a MGM desenvolveu a Camera 65.

O Retorno do Cinerama

Outro sistema, caro e com grandes avanços tecnológicos, desenvolvido nos anos 30, foi "desenterrado": o Cinerama.

O Cinerama é um capítulo à parte. Ele era a junção de três câmeras lado a lado que ofereciam uma profundidade de imagem nunca antes vista. Para a projeção, era necessário um grande espaço e, pela primeira vez, oferecia a reprodução de som estereofônico. Testes iniciais mostraram que seria maravilhoso para exibir países, paisagens e florestas.

Decidiu-se, então, explorar o sistema para a produção de longas-metragens de turismo. Foi criado o estúdio Cinerama Productions, que produziria e distribuiria os filmes neste novo formato. Como comentado, era preciso um grande espaço para a projeção, e a maioria dos cinemas não tinha área suficiente para acomodar a tela gigante. A solução foi apresentar os filmes em Road Show, como um circo itinerante, viajando de cidade em cidade. Era montado um diorama onde ficavam as telas e um espaço gigantesco para a plateia.

Assim foi. Foram produzidos sete longas-metragens exibindo imagens e locais nunca antes visitados por uma câmera cinematográfica. O sucesso de público foi grande, e seu único defeito eram as faixas escuras na junção de cada projetor na tela, um problema que nunca conseguiram resolver. Somente recentemente, quando os filmes foram lançados em DVD, as faixas foram retiradas digitalmente. O Brasil teve a honra de possuir um cinema totalmente aparelhado para exibição de filmes no formato Cinerama. Ele foi construído em São Paulo em 1959: o Comodoro Cinerama, que funcionou até 1997.

O cinema, então, conseguiu vencer sua primeira batalha contra a televisão.

Os Anos 60: A Explosão dos 70MM e os Filmes de TV no Cinema

Com as novidades tecnológicas que a indústria do cinema trouxe nos anos 50, o público voltou a lotar as salas de exibição, principalmente com os filmes turísticos apresentados pelo Cinerama. Mas, já no final dos anos 50, o público estava cansado de ver filmes de turismo. A empresa Cinerama Productions estava pronta para produzir filmes comerciais, com histórias e atores. O Estúdio MGM assinou contrato para a produção de quatro filmes no formato Cinerama, a iniciar no começo dos anos 60. Foram produzidos apenas dois filmes: o épico western A Conquista do Oeste e O Mundo Maravilhoso dos Irmãos Grimm. A Conquista do Oeste foi produzido em 1961, mas só foi lançado em 1963. O Mundo Maravilhoso dos Irmãos Grimm foi produzido e lançado em 1962, antes do primeiro filme.

A Conquista do Oeste foi um filme muito difícil de ser produzido e extremamente caro, além de ter um enorme problema técnico. Para que a distorção das três lentes não fizesse parecer que os atores estavam olhando para fora da cena durante os diálogos, eles não podiam se olhar diretamente. Em vez disso, eram forçados a "trapacear", olhando para pontos além de seus colegas de elenco, o que, por sua vez, criava a ilusão de contato visual. Essa limitação tecnológica dificultava atuações genuínas ou emocionantes. Mas, para as paisagens, as cenas de batalha e várias sequências de ação, o Cinerama cumpriu seu papel. O filme foi um grande sucesso de bilheteria e foi vencedor de três estatuetas do Oscar.

Ao final da produção de A Conquista do Oeste, a MGM entendeu que os filmes no formato Cinerama de três lentes poderiam ser exibidos somente em alguns poucos cinemas adaptados para o formato gigantesco nos EUA. Além disso, teriam problemas para exibição na televisão: a película sairia totalmente distorcida e os atores que estivessem nos cantos não apareceriam, somente a voz. Portanto, não valia a pena investir mais em filmes nesse formato, algo em que todos na indústria concordaram.

Eu me lembro que nos anos 70 o filme foi exibido na Rede Globo. Diversos letreiros apareceram cortados e muitos atores nunca deram as caras na tela, só conseguíamos ouvir suas vozes. O problema foi resolvido quando lançaram o filme em DVD no formato widescreen; que ficou conhecido como "formato de linguiça", mas foi suficiente para ver todos os cenários em profundidade.

O Mundo Maravilhoso dos Irmãos Grimm foi o segundo filme produzido em Cinerama pela MGM e o primeiro exibido nos cinemas. Ele, na verdade, foi um híbrido entre cenas em Cinerama e câmera convencional, para que pudesse ser exibido em cinemas convencionais. Mas um acidente aconteceu após a exibição do filme e parte do negativo foi estragada por água, devido a um incêndio em um dos depósitos de filmes da MGM. O filme se mostrou impossível de ser restaurado. Recentemente, em 2022, a Warner (que é detentora dos direitos da filmoteca da MGM) conseguiu, através da tecnologia de inteligência artificial, restaurar os negativos originais, além de lançá-lo em Blu-ray. Assisti ao filme recentemente e ele ficou melhor do que em sua exibição original, sem nenhuma falha ou sujeira na tela.

Cena de A Conquista do Oeste.
A Conquista do Oeste foi um sucesso, mas expôs as limitações técnicas e o alto custo do Cinerama de três lentes.

Após a MGM cancelar o contrato com a Cinerama Productions e enterrar definitivamente o processo Cinerama de três lentes, a indústria do cinema desenvolveu em 1963 um processo muito semelhante, mas com apenas uma lente. O sistema apresentava uma profundidade melhor do que o antigo Cinerama e possibilitava que a produção fosse filmada com uma câmera convencional. O sistema usava uma bitola de 70MM (a convencional era 35MM) e foi batizado de Ultra Panavision, mas foi apelidado de Cinerama em homenagem ao antigo sistema. O resultado: todas as produções importantes tinham uma cópia em 70MM. Com o fim do Cinerama de três lentes, o Cine Comodoro foi readaptado em 1966 e rebatizado como Cine Comodoro Cinerama, exibindo filmes no formato de 70MM.

Como curiosidade, os russos desenvolveram um sistema semelhante ao Cinerama de três lentes, que se chamou Kino-Panorama. Afirmando que os americanos é que copiaram a versão deles, o Kino-Panorama seguiu o mesmo caminho do Cinerama no início, com paisagens turísticas, até filmagens embaixo d’água. Os russos não fizeram nenhum filme com diálogos como os americanos, mas cederam parte das imagens para o produtor americano J. Jay Frankel, que lançou em 1966 o filme Uma Aventura na Rússia, apresentado e narrado pelo ator Bing Crosby. O filme apresenta muitas imagens impressionantes da Rússia, mas infelizmente foi exibido em uma época em que as pessoas já não estavam mais interessadas no formato. No total, foram produzidos dez filmes para o Cinerama.

Seriados de TV Viram "Filmes" para Exportação

Bem, a televisão se consolidou. Os seriados para a TV eram populares e faziam com que os espectadores ficassem em casa para assistir seus episódios. A série O Fugitivo, com David Janssen, era um grande sucesso de audiência; as pessoas só saíam de casa após a exibição do episódio. E não era somente essa: dezenas de outras séries e programas surtiam o mesmo efeito. Isso acendeu uma "lâmpada amarela" em Hollywood: já que todos os estúdios tinham uma divisão de televisão para produção e distribuição de séries de TV, por que não produzir longas-metragens para a televisão?

Seriam filmes produzidos com uma linguagem diferente dos filmes para o cinema, aproveitando inicialmente os atores de séries de TV. O filme seria exibido nas redes de TV, e a remuneração viria da audiência e da receita dos patrocinadores. Isso proporcionou que atores veteranos do cinema que não encontravam trabalho pudessem brilhar na televisão, e também impulsionou o surgimento de uma legião de novos atores e produtores. Alguns filmes para a televisão foram tão bem produzidos que ganharam a chance de serem exibidos no cinema antes da TV. O primeiro “TV movie” foi produzido em 1964: See How They Run.

As séries de TV ainda eram um problema para a bilheteria do cinema. Então, alguém teve uma ideia brilhante: se elas faziam tanto sucesso na televisão, por que não exibir episódios das séries em forma de longa-metragem nos cinemas? O público, porém, não aceitou pagar para ver episódios que podiam assistir de graça em casa. O mesmo que teve a ideia brilhante foi mais fundo: e se, ao invés de exibirmos esses filmes baseados em episódios nos cinemas americanos, exibíssemos em outros países, como Europa e América Latina? Foi uma ideia que deu muito certo. Séries como Bonanza, Missão: Impossível, O Homem de Virgínia, Laredo e muitas outras tiveram episódios duplos selecionados para serem lançados como filmes. A campeã foi a série O Agente da U.N.C.L.E., que teve cinco longas-metragens lançados. Todos esses "filmes" foram exibidos no Brasil, com enorme sucesso de público. Essa modalidade se manteve até o final dos anos 70.

Novamente, o cinema havia vencido mais uma batalha pela sua sobrevivência.

Próxima Crise: O Novo Hollywood dos Anos 70

Na próxima matéria, vamos mergulhar nas décadas de 70 e 80, um período de mudanças radicais que redefiniram o conceito de sucesso em Hollywood.

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